Recordo-me de uma época em que os DJ's não estavam reduzidos a meros toca-discos. Antes pelo contrário, o seu papel era de elevada importância. Eram curadores de música, eram curadores de uma noite de cultura. A responsabilidade de dar a conhecer música, nova e velha, num encadeamento lógico, num contexto, estava implícito à sua função.
Por diversos motivos, sendo o capitalista o principal, tudo isso se extinguiu e, hoje, estão reduzidos à função de estimuladores de consumo numa determinada demografia. Taberneiros, portanto.
Vários preconceitos e deturpações afunilaram o papel, outrora pedagógico, culturalmente relevante. O preconceito que DJ só põe a tocar música electrónica é um deles. A deturpação que, só e apenas, a música electrónica é dançável, outro. Rendidos, adicionalmente submetidos à pressão da aceitação popular, a lutar por serem relevantes num universo de normalização, será praticamente impossível hoje um cidadão agradecer aquisição de conhecimento, enriquecimento cultural, a um DJ. Quando muito, no limite, agradece uma noite de diversão.
Além dos DJ's de estabelecimentos de diversão e festas, os DJ's de rádio, estão sujeitos à ditadura das playlists. Os DJ's on-line estão reféns da qualidade de som inferior, ditada pelos bit rates manhosos do streaming e podcasts. Restam os programas de autor, escassos e abrangência geográfica limitada. Por último, os inescapáveis direitos de autor que, favorecem uma cadeia infinita de intermediários, em detrimento do autor/artista, limitando no processo a livre partilha e consequente divulgação exponencial da obra.
A estupidificação generalizada da população converteu um inimigo em colaborador.
Toda a música é dançável. Todos os géneros de música são audíveis. A pista de dança não tem de estar sempre a abarrotar durante seis horas consecutivas. A estrela não é o DJ. É a música. O DJ é apenas o veículo. Transporta um grupo de malta numa viagem por paisagens diversas, umas mais interessantes e introspectivas, outras mais divertidas e extrovertidas.
Quando o ego do DJ toma a rédea, neste universo condicionado pelos preconceitos e deturpações, a demografia do seu público fica reduzida a um denominador comum: labregos. O que é irrelevante, porque labregos divertidos consomem mais que esclarecidos contemplativos. Implícito está, uma desresponsabilização cívica, convenientemente ignorada. Tudo isto mudaria, caso houvesse exigência do consumidor. Não há. Estupidificado, nem cliente sabe ser.
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