Gosto de gatos. E os gatos gostam de mim. Há qualquer coisa de gratificante em conquistar a confiança de um gato que não acontece com outras espécies. Ter a amizade de uma pequena máquina de matar, produz um retorno afectivo ímpar. Permitimos destruição de propriedade e condescendência à agressão física, com um sorriso.
Todos os gatos que partilham espaço comigo eram originalmente gatos de rua. Estavam em apuros, tive todo o gosto em ajudar. Declino distinção por modas. Nenhum deles é gato ornamental. Acho a mixordia genética produzida pelo gato de rua essencial à sobrevivência da espécie. No entanto, a mecânica escolhida pela natureza para a perpetuação da mesma, torna-se um problema em ambiente favorável. A taxa de reprodução é elevadíssima. Sem predadores e com riscos de mortalidade diminuídos, rapidamente há gatos por todo o lado.
Para mitigar este problema, o governo português, de uns anos a esta parte, providencia uma verba anual às câmaras municipais destinada à castração de animais de rua. Associações e particulares podem (devem) solicitar aos serviços veterinários das respectivas câmaras municipais a castração, sem custos. Óptima ideia. Ou assim aparenta.
Claro, portugueses que somos, automaticamente deixámos de pagar do nosso bolso a cirurgia do bichano lá de casa numa clínica veterinária privada, manipulando esta borla destinada exclusivamente a animais de rua, usufruindo dela para animais domésticos. Com a vantagem, se por acaso o gato fugir de casa ou for abandonado, no chip, consta ser animal de rua. Resultado: veterinários das câmaras municipais atascados em trabalho e desresponsabilização dos tutores no que toca ao abandono de animais.
Passando pelo processo, ficamos a saber mais detalhes acerca desta óptima ideia destinada à esterilização de animais errantes.
Primeiro, temos de conseguir capturar o animal. A câmara municipal pode providenciar armadilhas, mas, como as que possui são em número muito limitado, sugere ao cidadão que capture o animal pelos seus próprios meios.
Segundo, apesar da câmara municipal assumir a recolha e posterior entrega do animal, é preciso uma transportadora. A câmara pode providenciar transportadora, mas, como as que possui são em número muito limitado, sugere ao cidadão que use a sua.
Terceiro, é condição obrigatória jejum de 12 horas para a cirurgia. Caso o cidadão não o consiga assegurar (como pode, se é um animal de rua?), o bicho é recolhido, fica enclausurado na transportadora durante 12 horas nos serviços veterinários da câmara municipal, após as quais é operado e, devolvido dentro da mesma transportadora. Invariavelmente encharcado em urina, fezes, e sangue. Destinado a ser devolvido imediatamente à rua.
Quarto, a cirurgia é feita sob anestesia. Ou o cidadão providencia o recobro, ou o gato é atirado à rua a cambalear, ainda meio adormecido, sujeito ao que possa acontecer. Cara ou coroa. Ou sobrevive, ou morre. Uma vez que não se pratica a eutanásia, deixa-se a sorte decidir.
Seja como for, garante-se a redução do número de animais errantes. E isso é sempre uma estatística favorável às políticas e aos políticos. Os números estatísticos confirmam ter sido uma óptima ideia. Confirmam que o sistema funciona. Não ilustram como, em que condições. Isso não interessa para nada.
Infelizmente não possuo a disponibilidade financeira para oferecer aos gatos de rua as mesmas condições que garanto aos meus. Passei pelo processo da óptima ideia 5 vezes. Salvaguardo que, não tenho nada a apontar aos veterinários, fazem o que podem com aquilo que têm. Já o governo... Atira dinheiro ao problema e espera que se resolva por si, ignorando deliberadamente carências estruturais. É a mesma coisa que convidar a malta para ir jantar lá a casa e quando os convivas chegam, apresento-lhes um porco vivo à solta no quintal. Agora, desenrasquem-se.

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