Gosto mais de discos que gosto de música. O passar dos anos tem-me conduzido a este estado. Não é uma questão de falta de qualidade ou originalidade da música, embora já sejam raros os momentos em que a música, só por si, me agrade ou surpreenda pela positiva, passei involuntariamente a atribuir preferência à música tocada ao vivo e menos à música gravada.
Os discos, esses ocupam destaque por uma série de outros factores que não a música contida neles. A música é apenas o ponto de partida para uma série de processos técnicos, criativos, estéticos, históricos que, actualmente, me interessam mais e ocupam maioritariamente o cérebro quando escuto. A arte gráfica das capas, sleeves, booklets, ou outros elementos que compõem a obra, são de igual importância.
Recuso a audição de um disco antes de o comprar. Todo o ritual de remover o plástico, o cheiro, apreciar o grafismo, ler tudinho o que vem escrito no interior, colocar o disco no prato, pousar a agulha e ficar na expectativa da reação que o som vai ter em mim, é todo um envolvimento com a obra que o digital e o consumo descartável roubou. Talvez por ter recuperado esta forma de consumir, o valor do disco tenha emergido acima da música. Não atribuo ao colecionismo, muito menos ao valor comercial do objecto, a responsabilidade da degustação elaborada que escolhi. Desta forma arrisco comprar discos de merda? Sim. Mas aprecio-os da mesma forma. Até os maus trabalhos são lições, exemplos. São a prova material de uma ideia. Irrelevante se boa ou má.
É com alguma mágoa que testemunho a vulgarização do consumo, ainda mais quanto perpetrada pelos especialistas e profissionais da área. Assinalam datas, efemérides, discos, concertos, de uma forma sintética analítica e impessoal, características de quem não viveu, mais grave, não sentiu, aquele momento. Se existe algo implícito às artes, é a paixão. A paixão é o oposto do descartável. Aparentemente, hoje adere-se a uma estética a um movimento, apenas para satisfazer uma necessidade de pertença, com origem em lacunas na construção do eu, da personalidade, do carácter. Não por paixão, não por "aquilo" ter feito vibrar cordas que não sabíamos ter. Talvez seja infantilidade, imaturidade, talvez essa malta quando chegar à minha idade pondere as coisas de forma diferente. Ou talvez não.
Seja como for, fico triste cada vez que um disco ou um concerto é descrito com a emoção de uma lista de compras de supermercado. A tristeza passa a irritação quando isto aparece pela figura de alguém que cumpre todos os requisitos de fardamento e estética visual da tribo onde supostamente se insere.
Igualmente reflexo dos tempos, deste paradigma "mastiga e deita fora", têm sido os DJs. Malta que rentabiliza a visibilidade obtida como músico ou comunicador social, facturando como DJ. O que têm para oferecer varia entre um rol das musicas que toda a gente conhece/gosta, (porque assim é impossível falhar) e, o aleatório (porque assim passam a imagem de muito cultos e conhecedores de todo o leque). Resumindo: Ignoram totalmente o que é um DJ e qual o seu papel. Sempre que vejo esse género de personagens anunciados como DJ's a abrilhantar uma qualquer noite, evito. Prefiro ficar em casa. Até em silêncio a qualidade da noite é imensamente superior.

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