Coragem...

Mesmo quem não me conhece bem, sabe que sou um esquisitóide com o som. De todos os sentidos a audição é a que ocupa o trono da minha atenção. A pontos de, por vezes, pedir ao eventual interlocutor com que estou a dialogar para pigarrear, limpar as cordas vocais, porque o timbre da sua voz me está a meter impressão. Sim, sou esquisitóide a esse grau. Uma sala  pode ser dotada do maior conforto e requinte mas, se tiver a reverberação errada, quero sair dali o mais depressa possível. Quando visito casa alheia é vulgar ter conversas longas no corredor ou na cozinha de modo a evitar os locais destinados ao convívio porque o som lá... não me agrada. Também me costumo demorar na casa de banho. Não saio  sem apreciar o comportamento acústico daquele espaço, tipicamente cómico. Comprei a minha HiFi com 16 anos de idade. Não nasci em berço de ouro. Fiz das tripas coração, privei-me de tudo, biscatei o que pude para ganhar uns trocos, poupei psicoticamente, com o objectivo de ter um som decente para ouvir música. Apesar de algumas alterações ao longo dos anos, a base dessa HiFi, colunas e amplificador, ainda são os mesmos quarenta anos depois. Não podia esperar milagres, um dia teria eventualmente de acontecer. Avariou tweeter e midrange na coluna do lado esquerdo. Como há coisas que nunca mudam, mantenho a coerência e, permaneço pobre. Substituir dois drivers na coluna esquerda implica fazer igual na direita para manter o equilibrio, a fidelidade. Presentemente, não dá para optar por drivers  topo de gama. Sujeito-me à dimensão da minha carteira, com taquicardia e suores frios. De fabrico alemão mas baratuxos, foi o possível. Estou em processo de adaptação e só me dá vontade de chorar. Ou assaltar um banco. Ainda não decidi. Quarenta anos a conviver sempre com o mesmo timbre. Não se muda assim do pé para a mão. É deprimente. O reconforto do regresso a casa, deixou de existir. Pelo menos da mesma forma. Vai demorar a adaptar-me. Esgotei o vernáculo sem obter alívio. Por outro lado, arranjei um disco de Rossini, com os mesmos quarenta anos de idade, que nunca tinha sido tocado. Soa incrivelmente bem. Vou interpretar como um sinal de alento emitido pelo universo. O karma a dar umas palmadinhas nas costas.