13/04/2022

Vinil, a quanto obrigas.

Está a tornar-se recorrente encontrar queixosos da qualidade das edições em vinil. Discos com som fraquinho, discos com defeito, discos com demasiado surface noise. Atribuiem a responsabilidade disto a prensagens feitas a partir das masters da edição em formato digital, sem existir remasterização adequada para suporte em vinil. Incapacidade das fábricas em responder à procura elevada, desleixando o controlo de qualidade, inundando o mercado com produtos deficientes. E à moda dos discos coloridos, ao invés do clássico preto, muito superior.

Já me aconteceu comprar discos com defeito. Prensagem off center, um segmento do sulco danificado, aparas de vinil no bordo do disco. Mas, são excepção. Por norma, está tudo bem,  tudo normal. Entendo algumas dessas excepções como toleráveis. Caso não, vou à loja, explico o problema e, trocam o disco sem grandes obstáculos.

Sou consumidor de vinil desde sempre. Claro que acompanhei o abrandamento por meados de 90 recorrendo ao CD, mas também acompanhei a retoma ocorrida no início do novo milénio. O número de exemplares que possuo está na casa dos quatro dígitos. Actualmente só compro formato digital quando quero mesmo muito determinado título e, não existe nem há perspectivas de vir a existir, em vinil. Fico algo chocado com este género de queixas, mais ainda com a atribuição de responsabilidades. Ignorância ou negação, só pode.

O vinil, matéria prima, não tem cor, é transparente. O disco preto que consideramos standard, só o é, porque é adicionado carbono. Alguém descobriu que a electricidade estática gerada pela fricção, tanto da agulha na reprodução, como no mete e tira do invólucro (capa de plástico ou papel), é menor com carvão lá misturado. Daí o preto. Alguns pigmentos coloridos de facto aumentam o ruído de arrasto (surface noise) mas, de qualquer modo, os picture discs destinam-se a coleção e não audiofilia. Nos de cor homogénia, resume-se a dois ou três tipos de pigmento a evitar, de resto não se nota diferença alguma.

O vinil, por limitação física, não tem a capacidade de reproduzir; nem a gama de frequências; nem a dinâmica; nem a imagem stereo, dos formatos digitais. Transferindo para um disco de vinil exactamente a mesma coisa que está no formato digital, ao tocar, a agulha vibra de tal forma que salta fora do sulco. É necessário executar uma série de processos para o evitar, uma masterização específica. É  inexequível "chapar" com a master do CD no vinil.

O que na realidade está a acontecer e que gera a insatisfação do consumidor, não reside nestas atribuições de culpas, sem sentido. O posicionamento no mercado, sim.

O mercado do vinil está em franca recuperação. Todo o bicho careta quer embarcar nesse comboio, na expectativa de ganhar uns trocos. Com a revolução digital, qualquer computador é um estúdio em potencial, a internet um veículo de promoção venda e distribuição, sem custos ou com custos residuais. Derivado a esta facilidade, milhares de bandas, que ainda não deviam ter saído da sala de ensaios, gravam promovem e vendem albuns, sem necessidade de conquistar um contrato com uma editora. Albuns! Tudo pelo mais baratinho, claro. Recorrendo ao amigo "jeitoso" para gravar lá na garagem ou cave, com uns microfones comprados na Wish. O tratamento acustico da sala resumido a umas caixas de ovos coladas na parede. Outro amigalhaço (que toca numa banda que até já abriu para outra banda que por sua vez abriu para os Mata Ratos no festival da Merdaleja de Baixo, por isso percebe disto a potes) para misturar e masterizar, de borla ou à troca dumas jolas. Das namoradas para "gerir" a presença online e ir aos correios expedir as encomendas. Ao quererem embarcar no comboio do vinil, o paradigma mantem-se. Mandam fazer os discos no sítio que for mais barato, toda a quantidade astronómica de cinquenta exemplares (justificando imediatamente o chavão "Edição ultra limitada"). E mandam para a fábrica a "master" que os amigos jeitosos produziram. Claro que, (ainda por cima por valores tão baixos), a fábrica não vai remasterizar um boi. Quando muito, fazem um shelving a olho, metem um limitador na saída e, toma lá uns vinis de baixa gramagem, quase tão finos quanto o papel da capa. Além do som merdoso, basta estarem guardados ao alto para uma passagem inverno/verão os empenar.

Para um produto final de qualidade irrepreensível, toda a cadeia, end-to-end, tem de ser profissional e, isso custa dinheiro. Muito dinheiro. Daí a abismal diferença entre um vinil de uma banda underground e um vinil de uma banda de uma editora tipo Nuclear Blast, Metalblade, Season of Mist. E estas são vistas no mercado como "independentes", não são editoras de primeira linha! O vinil não se compadece com as facilidades da era digital. O mundo real é analógico.

Tenho imensos amigos no underground, pelos quais nutro o maior respeito e carinho. Sei que ao lerem isto, vai doer. Perdoem-me mas, com mais ou menos floreados, a realidade é isto. A fábrica de discos não tem culpa nenhuma do disco vir empenado. O processo está empenado desde o início.

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