24/03/2022

Do Rock e das Tabernas

É conveniente espalhar a ideia que o género musical Rock morreu. Colocar toda a máquina de manipulação a trabalhar no sentido de favorecer outros géneros. Mais baratos. Produzir música eletrónica, hip hop, kizomba, custa uma fração da despesa envolvida na produção de Rock, Jazz, Clássica. Os meios físicos, técnicos e tempo despendido que implica a produção de música tocada por músicos, com instrumentos musicais, não deixou de ser economicamente viável, apenas limita a maximização do lucro. Com as vendas dos formatos físicos em baixo, mesmo considerando a débil recuperação recente, há que cortar na despesa para compensar e, manter os acionistas satisfeitos. O eletrónico responde perfeitamente à pressão economicista. Uma soundbooth, um microfone, um computador e, está feito. Se for instrumental, o computador basta. Sala de captação com tratamento acústico, conjunto de microfones adequados às características sonoras de cada instrumento, know how para o fazer, horas infinitas em mistura e, claro, músicos com competência para compor e executar, deixam de ser precisos. Daí, os Opinion Makers, os Influencers, os DJ's, a comunicação social no geral, enfiar pela goela abaixo do consumidor as novas modas, tudo muito trendy, tudo muito novidade, ao invés dos velhos e bafientos géneros, retrógrados, totalmente démodé. Párias, coniventes de poderes que os transcendem, saciados por um protagonismo bacoco no seu exíguo universo populado por labregos. Acão reação, o gado obediente obedece. O Swag destrona o Cool, o  Wicked, com a arrogância do ignorante, cuja necessidade premente de integração, originada noutras engenharias sociais paralelas, impõe à sua medíocre e mesquinha existência.

A ditadura perpetrada pelos dispositivos de reprodução, é outro fator preponderante nesta equação. Na eletrónica de consumo, a "aparelhagem" que noutros tempos ocupava lugar de destaque na sala, proporcionando horas de prazer ao estimular a perceção auditiva, num contexto de comunidade familiar, ou não, foi assassinada à traição pelos smartphones e computadores. Equipados com auscultadores, auriculares, ditam uma experiência individual, solitária, isolacionista. Ao mesmo tempo que a sua fraca qualidade de reprodução, a par da compressão nos formatos digitais, gera iliteracia auditiva generalizada. Os equipamentos capazes de uma reprodução decente, são caros, ocupam espaço e requerem, também eles, know how. Ficam reservados para profissionais e audiófilos, na condição de possuírem carteira para os adquirir e, infraestrutura para usufruir deles em pleno.

As artes não atrofiam à mercê da ditadura económica. Continuam a empurrar fronteiras e desvanecer os limites do pensamento. Mas reservadas a uma elite. Financeiramente capaz, cognitivamente consciente desta mecânica global. Rock, Jazz, Clássica, e todos os géneros performativos analógicos, ficam assim exclusivos. O resto, é esferovite para as massas. Barato na produção, caro na venda, fácil no consumo, intelectualmente inconsequente.

Também as tabernas se extinguiram para dar lugar às cadeias de fast food. Bastou criar regras, instituições que as fiscalizem, penalizações impossíveis para os incumpridores, para que tal acontecesse. O convívio social inerente às primeiras e ausente nas segundas, pode indiciar um propósito malévolo nesta ditadura de hábitos de consumo. Ou não existissem restaurantes gourmet. Cheios de snobs que, nunca provaram um penalty de tinto carrascão acompanhado de um pastel de bacalhau rançoso. Mas a conversa... ah pois, a conversa. De longe mais diversificada, interessante, perniciosamente culta na taberna, contrasta com o habitual e normalizado, "o meu Mercedes é maior que o teu", no restaurante gourmet. A bebedeira de Moet Chandon estimula a futilidade em ambiente requintado. Com uma grade de minis discute-se acaloradamente a origem do universo, a extinção da raça humana e tudo pelo meio, sentados em bancos de pau, mais sebosos que um par de botas de prateleira na feira da Golegã.

Cabe ao consumidor gerir prioridades da forma que melhor entender. Para isso, o consumidor tem de entender. Processo inalcançável com a cabeça cheia de esferovite.

7 comentários:

  1. Interessante reflexão. As saudades que eu tenho das tabernas, tão modestas quanto eu.

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    1. Quando eciste perda, dificilmente se pode considerar progresso. Elitista ou modesta, cheia ou às moscas, perda, é menos, é inferior. Podem dourar a pílula como quiserem.

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  2. Sim é verdade Carlos Paiva, muitos não percebem nada de musica e confunde-a com sons musicais e sendo assim basta-lhes ouvir esses sons ao contrário de mim que sou um bocado mais exigente e não troco aos sons dos instrumentos musicais, isso sim para mim é um prazer com tudo o que o instrumentista tem para oferecer incluindo falhas, um computador tem uma coisa muito má, são as repetições, etc.
    Abraço...

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  3. Muito bem visto,muito bem explicado com uma grande ótica generalizada que também me bateu nostalgicamente

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