02/11/2014

Os universos perpendiculares e o equilibrio dinâmico.

Em amena cavaqueira, um amigo mencionou que está casado há mais de trinta anos. Sempre com a mesma pessoa. Pasme-se. Uma união entre duas pessoas, durar tanto tempo, não é assinalável. Uma relação entre duas pessoas, durar tanto tempo, já é.
Quando este tema é abordado, invariavelmente, os porquês da longevidade da vida a dois são enumerados, quais medalhas orgulhosamente exibidas. Ou cicatrizes. ...Ou ambas.
A minha reação a esta constatação em tom de confidencia, é... Nada. No extremo, um "OK, Está bem!" será o máximo que me conseguem arrancar. Á laia de “O que quer que seja que vocês andam a fazer, continuem a fazê-lo. Pois aparentemente, está a resultar”. Os casos de sucesso não me movem. Estou mais interessado nos pormenores dos falhados.
O falhanço é algo que estimo. É preciso mais. Mais de tudo. Para assumir o falhanço.
Simular o sucesso, é cobarde. Além de pouco original.
A esses, o que os motiva a viver a mentira? Os filhos. Os compromissos assumidos. A familia. A sobrevivência. O interesse. O inevitavel julgamento social. Em suma: O medo.
O passo da ruptura é evitado a todo o custo. O medo impõe-se. Sobrepõe-se.
Como saída, remendam-se mais mentiras. Determina-se convictamente o direito a ser feliz. Com a companhia oficial, ou com a amizade colorida. Com a amizade colorida, decide-se que essa felicidade será obtida à cadência máxima permitida por cada novo ritual de acasalamento. Muito secreto. Muito “Hush, hush!”. Claro. Embora a alma gémea da noite anterior, se revelar repelente na manhã seguinte, desgrenhada, com olheiras e mau hálito, repete-se o exercício. Uma. E outra vez.
Com sexo, muito sexo, a vida sorri. O ego leva com um compressor volumétrico e debita potência para dar e vender. A felicidade é medida pela intensidade e número de orgasmos alcançados. Passado um tempo, indiferentes, automáticos. Muitas amizades coloridas depois, fingidos. Por obrigação. E a mentira torna-se omnipresente.
Livre de opinião ou prisma. A mentira pura e simplesmente, é.

Viver com alguem? E viver com nós proprios?
Isso sim. É assinalável. Merece ritual de passagem. Merece um piercing ou uma tatuagem.
Conhecendo-nos, sabemos o queremos. Mais importante, sabemos o que não queremos. A felicidade que achamos que temos direito, delinia-se como algo a construir. E não correr atrás. Ou esperar que surja por geração espontânea. Assumir a responsabilidade pelo rumo. Afinal resume-se a isso. Não o deixar entregue ao sabor das frustações. Ou pior, sujeito ás necessidades da mentira. Deixa de fazer sentido.
Se calhar reside aí a chave mestra. Primeiro aprendemos a viver com nós proprios. A seguir, com outrem. Em simultâneo... Provavelmente demora mais de trinta anos.

1 comentário:

  1. Diana V.2/11/14

    Acuradíssimo! Ocorre-me aquela frase que diz: “detesto quem me rouba a solidão sem me fazer verdadeiramente companhia”, acho que é do Nietzsche. Se é verdade que o outro é sempre um espelho, a solidão pode ser uma casa de espelhos, que nos expõe de várias perspectivas sem piedade ou misericórdias. Conseguir estar connosco mesmos é sem dúvida um grande feito, preferir isso à ilusão de uma qualquer companhia que nos priva da nossa é um mérito maior ainda. Gostei das tuas palavras, gostei muito.

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